sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Ganguzama
Interpretação e Roteiro
“Ganguzama” é o Brasil. Na sua alma de três almas: a do índio indômito, que esperava; a do negro generoso, que ajudou; e a do branco sedento, que chegara. E no seu corpo de três corpos: o corpo branco, das praias; o corpo verde, do planalto; e o corpo dourado, do sertão. “Ganguzama”,
Este poema é a tentativa de um retrato sinfônico-coral da nacionalidade. Batizando-se do nome heróico do último zumbi, envolve na legenda as três raças que construíram o Brasil, com o jesuíta, que nos ensinou a rezar, com Ganguzama, que nos ensinou a sofrer, com a “mãe índia”, que nos ensinou a esperar. E com o bandeirante - o mameluco da “raça de gigantes”, que nos ensinou a lutar e a vencer.
Na “mensagem” que abre o poema, os novos pajés de sotaina prometem um céu na terra, replantando, nela, o cruzeiro e o indiozinho se alegra com a promessa. Na “oferenda” a seguir, o anjo bom que nos guarda o destino do povo entrega o seu sonho ao tempo novo que começava, e bendiz a aliança.
No “hosana” final, o amor e a esperança entoam juntos seu hino, assim terminando o primeiro quadro, música e letra a embalaram, nos três Números, o Brasil que nascia.
Mas, no berço majestoso, nascera um Brasil mameluco, da Índia e do branco, inquieto na miscigenação singular, o que a orquestra procura traduzir no início do segundo quadro. Vem, então. do planalto, o bandeirante, em busca da cidade iluminada de gemas e pedraria, em busca da lendária Manuá, onde a virgem Morena, “vestida de ouro”, será sua para sempre, ajudando-o, ela e o filho, a alargar a terra e a deixar longe o mar. Faltava, todavia, um personagem, o negro, e era forçoso anunciá-lo, do que a orquestra se incumbe, situando, no grupo racial, o herói do poema, Ganguzama, cujo “holocausto” o quilombola assistiu e descreve, pois estava no palácio real dos Palmares, na” mussumba”, quando o bandeirante substitui o amor pela morte, ao integrar o preto na nossa etnia. Mas, Ganguzama não morreu; ouvimos sua voz na dolência dos nossos bardos e pressentimos seu vulto nos vultos dos nossos heróis... E a orquestra encerra o segundo quadro, com um “retorno” musical de quase cinco séculos de promessa, de inquietação e de heroísmo, tudo dançando no tempo, entre clarinadas.
Na paisagem sonora e selvagem, que vestia o Brasil quando ele ainda era o País das palmeiras, surge o terceiro quadro, e aí a “canção da rede pequenina” desperta o primeiro brasileirinho com a doce toada da mãe tupi. “Guajupiá! Guajupiá!”... Reaparece, depois, a “mensagem” do início; mas como “Aleluia”, pois o milagre se dera e já eram todos irmãos, ainda mais “na esperança” que “na alegria” e “na dor”. E o coro apoteótico faz-se, então, ouvir, grandioso, mil vozes vindo, de toda parte, cantar o poema de três raças que são uma só raça e de três vozes que falam numa só voz! O eco de luz dessa mil vozes repercute no infinito, aonde também chegou o bandeirante nas suas botas de sete léguas e onde Ganguzama vive pra sempre, na glória do seu sacrifício. Fora bom o sonho que a mãe tupi sonhou na rede, boa caminhada sem fim do mameluco, bom o salto heróico do negro...
Disso nasceu o Brasil e por isso Ganguzama sobrevive.
Texto do prof. Álvaro Neiva.